Destruição e reforma de prédios ameaçam patrimônio histórico*
Alberto Simplício
Conhecida por ter como característica a vocação para o progresso, em nome da modernidade, parte da história de Campina Grande, estampada em suas ruas, casarões e prédios antigos, está se perdendo com o tempo. As reformas empreendidas para dar espaço a construções modernas acontecem de maneira deliberada sem que haja um acompanhamento técnico que garanta a coleta de vestígios históricos, bastante comuns em escavações. Um prejuízo que, segundo a Sociedade Paraibana de Arqueologia (SPA), faz com que partes importantes da história da cidade deixem de ser revelados e se percam para sempre.
De acordo com o historiador Thomas Bruno Oliveira, um dos diretores da SPA, o tombamento do centro histórico de Campina Grande, feito em 2004 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep), não tem garantido o que há de mais legítimo neste processo: a valorização das áreas demarcadas e a garantia de sua existência para posteridade. Um dos exemplos mais recentes dessa realidade, de acordo com ele, foi a introdução de dutos subterrâneos para telefonia e internet no centro da cidade, que perfurou áreas pertencentes ao patrimônio histórico da cidade.
Ele avalia que a importância da obra é inquestionável, mas não houve nenhum profissional monitorando as escavações. “Certamente havia uma infinidade de vestígios de nossos pretéritos habitantes, antigas fundações e estruturas, louças, objetos de metal e outros vestígios que poderiam nos dar pistas preciosíssimas sobre a história da cidade”, comenta.
Juvandi Santos é doutor em Arqueologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e vice-presidente da SPA. Ele diz que é revoltante a maneira como o patrimônio histórico de Campina Grande está sendo tratado. “Cotidianamente, flagramos derrubadas de casas para dar espaço a construções modernas ou até mesmo estacionamentos. Na rua Vila Nova da Rainha, por exemplo, praticamente não identificamos traços da nossa arquitetura antiga, apesar de ter sido ali que a cidade começou. Um dos últimos exemplos é o da casa onde funcionava o Sistema Nacional de Emprego (Sine), que conserva o estilo inglês”, cita. Durante visita da reportagem do JORNAL DA PARAÍBA ao local, verificou-se que a área está servindo como estacionamento e “dormitório” para mendigos, o que evidencia seu abandono.
O pesquisador também disse que há um acelerado processo de derrubada de vários “castelinhos” estilo inglês, localizados na região próxima ao Açude Velho. “Estamos protocolando uma ação no Ministério Público (MP) para impedir que o patrimônio histórico de Campina seja apagado”, explica. Ele diz ainda que na rua Irineu Jóffily, por exemplo, este ano, duas das poucas casas que conservavam traços de sua arquitetura antiga foram derrubadas e que, na Rua Getúlio Vargas, recentemente, houve a demolição da antiga fábrica de óleo Medeiros Cirne. Cita ainda que muitas lojas da Rua Maciel Pinheiro não estão respeitando as características do estilo francês art déco, característico das décadas de 1930 e 1940.
Resquícios de um passado de progresso
Próximo ao cartão-postal mais conhecido de Campina Grande, o Açude Velho, a chaminé preservada no Parque da Criança e a antiga chaminé próxima da Estação Velha, são os últimos remanescentes do antigo parque industrial da cidade. Até pouco tempo, existia uma outra construída no local onde funcionava a fábrica da Caranguejo, mas ela foi demolida para que lá sejam erguidos edifícios. As ruínas da antiga Sambra, símbolo dos tempos áureos do algodão em Campina Grande, referente à primeira metade do século passado, também já não existe. O prédio da antiga fábrica têxtil, localizada em frente da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro de Bodoncogó, é outro que está com os dias contados. Enquanto nada é feito, a estrutura antiga dá sinais de que vai ruir em breve.
Segundo Juvandi Santos, toda a área próxima ao Açude Velho abrigava diversas indústrias alimentadas, sobretudo, pela cultura algodoeira. “Precisamos preservar melhor nossa história, o progresso pode perfeitamente se aliar ao passado, um não é contrário ao outro”, salienta. Os armazéns da Estação Velha, que há algum tempo abrigaram restaurantes e lanchonetes, atualmente estão abandonados. Apenas um deles continua funcionando como um bar, os demais estão desmoronando e sendo tomados por usuários de drogas e moradores de rua. O antigo Cassino Eldorado, na Feira Central, e o antigo Cine Capitólio também simbolizam uma época de efervescência cultural movida pelo grande progresso econômico da primeira metade do século passado e hoje estão abandonados. “Não podemos ficar parados enquanto assistimos a essa destruição”, diz Juvandi. (AS)
Seplan deverá notificar proprietários de edifícios
Recentemente, uma reunião realizada entre o Ministério Público de Campina Grande, a Prefeitura Municipal, a Secretaria de Planejamento (Seplan) e o Iphaep, acertou um acordo para tentar frear a destruição do patrimônio histórico da cidade. De acordo com o arquiteto da Seplan, Alselmo Martins, será feita uma notificação junto a todos os proprietários de prédios históricos localizados no Centro comercial da cidade sobre as normas que eles devem seguir para não agredir os traços da arquitetura art déco, estilo que fez parte de um projeto de modernização da cidade, na década de 1930, durante a gestão do prefeito Vergniaud Wanderly.
“O Iphan vai realizar um levantamento de todos os prédios com valor histórico e emitir um normativo para orientar que tipo de mudanças podem ser feitas para garantir que o patrimônio histórico não seja destruído”, explicou.
Martins também informou que as notificações devem atingir também todas os proprietários de casarões e prédios históricos inseridos na área delimitada pelo Iphaep.
“A intenção é assegurar a conservação desses prédios”, afirmou. Ele disse ainda que a prefeitura também dispõe de projetos para reformar os antigos armazéns da Estação Velha, o Cassino Eldorado e o Cine Capitólio.
A delimitação do Iphaep é constituída por cinturão formado por ruas e praças inseridas na região central da cidade e reúne edificações em estilo art déco, inglês, neoclássico e vários monumentos que têm resistido bravamente ao tempo. Fazem parte do conjunto ruas como a Vila Nova da Rainha, região onde a cidade teria surgido, todo o largo da Catedral e algumas ruas. (AS)
*Matéria publicada na edição especial de domingo no Jornal da Paraíba em 10 de outubro de 2010. O título e os subtítulos da matéria, são links para a publicação online do referido jornal
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