Pesquisadores apresentam dados sobre as línguas nativas ainda faladas no Norte do país e destacam a importância e dos desafios de documentar, preservar e revitalizar a diversidade desses idiomas
Das cerca de 150 línguas nativas atualmente em uso no Brasil – aquelas empregadas tradicionalmente por povos indígenas antes do contato com os não-indígenas –, pelo menos 21% estão seriamente ameaçadas de desaparecer em curto prazo, devido ao número reduzido de falantes e à baixa taxa de transmissão para novas gerações, segundo pesquisadores.
Um caminho para tentar reverter esse quadro seria a formulação e aplicação de uma Política Linguística e Científica. Essa foi uma das principais conclusões da mesa-redonda “Línguas Nativas da Região Norte: perspectivas para a sua documentação, manutenção e pesquisa”, realizada na 61ª Reunião Anual da SBPC, em Manaus.
De acordo com os participantes, essa política poderia contribuir para: definir parâmetros de documentação (trabalhar por família linguística ou por áreas etnográficas como a calha dos rios, por exemplo, seguindo o que pensam os falantes ou membros dos povos envolvidos); criar mecanismos que ajudem a suprir a falta de recursos humanos interessados nessa área de pesquisa; e promover a valorização das línguas nativas, contribuindo com o desenvolvimento de estratégias de transmissão desses idiomas.
“O processo de documentação é fundamental para ampliar o conhecimento sobre a diversidade e transmissão das línguas nativas”, destacou Frantomé Pacheco, professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas, que presidiu a mesa-redonda.
Para Dennis Albert Moore, curador da Coleção Linguística e coordenador da área de linguística do Museu Paraense Emílio Goeldi, um dos desafios da documentação é que idiomas que são registrados como diferentes às vezes são dialetos de uma mesma língua, reflexo de divisões étnicas e políticas.
Moore, que contribuiu com a produção de um atlas das línguas em extinção, usa como exemplo o caso da família linguística Mondé, do tronco Tupi. “A fala dos Gavião, de Rondônia, e a fala dos seus vizinhos Zoró são geralmente listadas como línguas distintas, quando, na realidade, são dialetos tão próximos como o português de Salvador e o português do Rio de Janeiro”, disse.
Em artigo publicado na revista Scientific American, em setembro de 2008, intitulado O desafio de documentar e preservar as línguas amazônicas, Moore, juntamente com outros especialistas, explica que na coleta de dados há uma tendência de confundir a população de um grupo com o número de indivíduos que falam a língua. “Certamente, o número de falantes é muito menor do que se pensava e a situação das línguas é, portanto, mais grave”, afirmou.
Línguas e falantes
Além de ser a região com maior concentração de populações indígenas no Brasil, a Amazônia concentra dois terços das línguas indígenas faladas no país.
Apenas no Estado do Amazonas o número de línguas ainda faladas está entre 50 e 56. Entre as que desapareceram diante do contato com os não-indígenas estão Baré, Mura, Kokama e Torá. Há pessoas que se identificam etnicamente como pertencentes a essas etnias, mas que empregam uma variedade regional/indígena do português.
A Língua Geral Amazônica (Nhenngatu) é empregada por muitas etnias, identificando seus membros como indígenas pertencentes a elas (como os Baré, cuja língua tradicional já não é mais falada).
Segundo dados apresentados por Pacheco, a maioria das línguas conta com poucos falantes (abaixo de 100). Entre as com maior número (acima de 4 mil) estão: Sateré (6.219), Baniwa (5.811), Tikuna (cerca de 35 mil), Tukano (8 mil), Yanomami (6 mil), Yanomam (4 mil) e Língua Geral Amazônica (6 mil).
No Pará há cerca de 26 idiomas nativos, número semelhante ao de línguas faladas na Europa Ocidental, apontou Moore. Dessas 26, duas não têm pesquisas sobre elas. Das demais, 50% têm estudo em nível de doutorado e muitos artigos publicados, 31% têm estudo em nível de mestrado e 12% têm boa descrição.
Segundo o pesquisador do Museu Goeldi, o futuro de uma língua é determinado pela transmissão à geração subsequente, o que é difícil de apurar. No Pará, foram identificadas cinco línguas (19%) com índice zero de transmissão. Outras duas (8%) têm pouca transmissão, três (12%) têm índice médio e 16 (62%) têm boa ou alta transmissão.
Em Roraima, de acordo com Maria Odileiz Sousa Cruz, da Universidade Federal de Roraima, há 61 povos indígenas com menos de 200 falantes do idioma nativo e cinco povos que variam de 10 mil a 20 mil falantes.
O número de falantes em cada uma das famílias linguísticas no Estado, sem contabilizar o grupo Yanomami, que vive isolado, é: Makuxí (cerca de 12 mil falantes), Taurepang (600), WaiWai (2.500), Ingarikó (1.170), Waimiri-Atroari (970), Ye’kuana (426), Wapixana (4.000), Atoraiú (1) e Sapará (1).
Estratégias
A demanda por documentação por parte dos grupos indígenas tem aumentado rapidamente, de acordo com os participantes da mesa-redonda na reunião da SBPC. Um deles, Euclides Pereira, gerente técnico do Projetos Demonstrativos para Povos Indígenas, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, reforçou essa preocupação como representante do povo Makuxí.
Segundo Pereira, não adianta só proteger a língua, é preciso difundi-la. Mas como se trata de uma língua oral, para ensinar é preciso conhecer sua estrutura. Há palavras, por exemplo, que só são ditas por homens e outras só por mulheres, assim como estão surgindo novas no contato com outros povos e com não-indígenas.
“Não funciona ensinar Makuxí da mesma forma que se ensina o português. A universidade poderia contribuir no assessoramento da produção de materiais que explorem não só a escrita, mas também imagens que envolvam os alunos com histórias, mitos e fundamentos da língua. Talvez possa produzir vídeos e CDs que facilitem o entendimento e a difusão”, sugeriu.
No Brasil, a digitalização e a anotação de gravações de amostras naturais de línguas estão em fase inicial. O Museu Goeldi monta arquivos digitais modernos em servidores. Arquivos desse tipo têm como beneficiários principais os grupos indígenas, tal como na Austrália, onde 95% das consultas aos arquivos são feitas por aborígenes.
Há ainda programas de alfabetização e revitalização, mas os resultados não são levantados e avaliados sistematicamente. Uma das iniciativas que visam ao levantamento da situação de todas as línguas é o Inventário Nacional da Diversidade Linguística, planejada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em parceria com a Associação Brasileira de Linguística (Abralin).
Em Roraima, destacam-se algumas iniciativas de instrumentalização dos falantes nativos que têm como objetivo trabalhar com a história das línguas em seus diversos estágios. É o caso de duas emissoras de rádio que transmitem programas educativos em línguas nativas. A Universidade Federal de Roraima também criou o Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena, hoje com 240 alunos, entre outros cursos criados por outras instituições do Estado.
Das cerca de 150 línguas nativas atualmente em uso no Brasil – aquelas empregadas tradicionalmente por povos indígenas antes do contato com os não-indígenas –, pelo menos 21% estão seriamente ameaçadas de desaparecer em curto prazo, devido ao número reduzido de falantes e à baixa taxa de transmissão para novas gerações, segundo pesquisadores.
Um caminho para tentar reverter esse quadro seria a formulação e aplicação de uma Política Linguística e Científica. Essa foi uma das principais conclusões da mesa-redonda “Línguas Nativas da Região Norte: perspectivas para a sua documentação, manutenção e pesquisa”, realizada na 61ª Reunião Anual da SBPC, em Manaus.
De acordo com os participantes, essa política poderia contribuir para: definir parâmetros de documentação (trabalhar por família linguística ou por áreas etnográficas como a calha dos rios, por exemplo, seguindo o que pensam os falantes ou membros dos povos envolvidos); criar mecanismos que ajudem a suprir a falta de recursos humanos interessados nessa área de pesquisa; e promover a valorização das línguas nativas, contribuindo com o desenvolvimento de estratégias de transmissão desses idiomas.
“O processo de documentação é fundamental para ampliar o conhecimento sobre a diversidade e transmissão das línguas nativas”, destacou Frantomé Pacheco, professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas, que presidiu a mesa-redonda.
Para Dennis Albert Moore, curador da Coleção Linguística e coordenador da área de linguística do Museu Paraense Emílio Goeldi, um dos desafios da documentação é que idiomas que são registrados como diferentes às vezes são dialetos de uma mesma língua, reflexo de divisões étnicas e políticas.
Moore, que contribuiu com a produção de um atlas das línguas em extinção, usa como exemplo o caso da família linguística Mondé, do tronco Tupi. “A fala dos Gavião, de Rondônia, e a fala dos seus vizinhos Zoró são geralmente listadas como línguas distintas, quando, na realidade, são dialetos tão próximos como o português de Salvador e o português do Rio de Janeiro”, disse.
Em artigo publicado na revista Scientific American, em setembro de 2008, intitulado O desafio de documentar e preservar as línguas amazônicas, Moore, juntamente com outros especialistas, explica que na coleta de dados há uma tendência de confundir a população de um grupo com o número de indivíduos que falam a língua. “Certamente, o número de falantes é muito menor do que se pensava e a situação das línguas é, portanto, mais grave”, afirmou.
Línguas e falantes
Além de ser a região com maior concentração de populações indígenas no Brasil, a Amazônia concentra dois terços das línguas indígenas faladas no país.
Apenas no Estado do Amazonas o número de línguas ainda faladas está entre 50 e 56. Entre as que desapareceram diante do contato com os não-indígenas estão Baré, Mura, Kokama e Torá. Há pessoas que se identificam etnicamente como pertencentes a essas etnias, mas que empregam uma variedade regional/indígena do português.
A Língua Geral Amazônica (Nhenngatu) é empregada por muitas etnias, identificando seus membros como indígenas pertencentes a elas (como os Baré, cuja língua tradicional já não é mais falada).
Segundo dados apresentados por Pacheco, a maioria das línguas conta com poucos falantes (abaixo de 100). Entre as com maior número (acima de 4 mil) estão: Sateré (6.219), Baniwa (5.811), Tikuna (cerca de 35 mil), Tukano (8 mil), Yanomami (6 mil), Yanomam (4 mil) e Língua Geral Amazônica (6 mil).
No Pará há cerca de 26 idiomas nativos, número semelhante ao de línguas faladas na Europa Ocidental, apontou Moore. Dessas 26, duas não têm pesquisas sobre elas. Das demais, 50% têm estudo em nível de doutorado e muitos artigos publicados, 31% têm estudo em nível de mestrado e 12% têm boa descrição.
Segundo o pesquisador do Museu Goeldi, o futuro de uma língua é determinado pela transmissão à geração subsequente, o que é difícil de apurar. No Pará, foram identificadas cinco línguas (19%) com índice zero de transmissão. Outras duas (8%) têm pouca transmissão, três (12%) têm índice médio e 16 (62%) têm boa ou alta transmissão.
Em Roraima, de acordo com Maria Odileiz Sousa Cruz, da Universidade Federal de Roraima, há 61 povos indígenas com menos de 200 falantes do idioma nativo e cinco povos que variam de 10 mil a 20 mil falantes.
O número de falantes em cada uma das famílias linguísticas no Estado, sem contabilizar o grupo Yanomami, que vive isolado, é: Makuxí (cerca de 12 mil falantes), Taurepang (600), WaiWai (2.500), Ingarikó (1.170), Waimiri-Atroari (970), Ye’kuana (426), Wapixana (4.000), Atoraiú (1) e Sapará (1).
Estratégias
A demanda por documentação por parte dos grupos indígenas tem aumentado rapidamente, de acordo com os participantes da mesa-redonda na reunião da SBPC. Um deles, Euclides Pereira, gerente técnico do Projetos Demonstrativos para Povos Indígenas, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, reforçou essa preocupação como representante do povo Makuxí.
Segundo Pereira, não adianta só proteger a língua, é preciso difundi-la. Mas como se trata de uma língua oral, para ensinar é preciso conhecer sua estrutura. Há palavras, por exemplo, que só são ditas por homens e outras só por mulheres, assim como estão surgindo novas no contato com outros povos e com não-indígenas.
“Não funciona ensinar Makuxí da mesma forma que se ensina o português. A universidade poderia contribuir no assessoramento da produção de materiais que explorem não só a escrita, mas também imagens que envolvam os alunos com histórias, mitos e fundamentos da língua. Talvez possa produzir vídeos e CDs que facilitem o entendimento e a difusão”, sugeriu.
No Brasil, a digitalização e a anotação de gravações de amostras naturais de línguas estão em fase inicial. O Museu Goeldi monta arquivos digitais modernos em servidores. Arquivos desse tipo têm como beneficiários principais os grupos indígenas, tal como na Austrália, onde 95% das consultas aos arquivos são feitas por aborígenes.
Há ainda programas de alfabetização e revitalização, mas os resultados não são levantados e avaliados sistematicamente. Uma das iniciativas que visam ao levantamento da situação de todas as línguas é o Inventário Nacional da Diversidade Linguística, planejada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em parceria com a Associação Brasileira de Linguística (Abralin).
Em Roraima, destacam-se algumas iniciativas de instrumentalização dos falantes nativos que têm como objetivo trabalhar com a história das línguas em seus diversos estágios. É o caso de duas emissoras de rádio que transmitem programas educativos em línguas nativas. A Universidade Federal de Roraima também criou o Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena, hoje com 240 alunos, entre outros cursos criados por outras instituições do Estado.
(Jussara Mangini, da Agência Fapesp, 16/7)
Nenhum comentário:
Postar um comentário