segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Acre teve sociedade indígena complexa

Cientistas mapearam mais de 200 sítios arqueológicos com trincheiras, estradas e possíveis características de defesa

Estranhos e gigantescos padrões geométricos no solo desmatado do Acre estão dando novo peso à hipótese de que a Amazônia antes de Cabral estava repleta de sociedades complexas, com grande densidade demográfica.

Trincheiras de 11 m de comprimento e até 3 m de profundidade delimitam áreas que podem ter sido fortalezas ou centros cerimoniais, afirma um grupo de pesquisadores.

Como é muito mais fácil detectar o desenho dessas estruturas de cima, a bordo de um avião ou com imagens de satélite, elas são mais conhecidas como geoglifos, por analogia com os misteriosos desenhos da região de Nazca, no Peru.

Mas, em vez de sinalizar mensagens para os céus, as marcas no solo acreano revelam a antiga presença humana, com vestígios de cerâmica, ferramentas de pedra e carvão de fogueiras.

VISÃO DE CONJUNTO

Os dados mais recentes sobre os geoglifos estão em artigo na última edição da revista científica "Antiquity", assinado por Denise Schaan, da Universidade Federal do Pará, Alceu Ranzi, da Universidade Federal do Acre, e Martti Pärssinen, do Instituto Iberoamericano da Finlândia.

Por enquanto, a equipe conseguiu datar os restos de carvão em apenas um dos sítios arqueológicos, cuja existência parece recuar ao ano 1200 ou 1300 da Era Cristã. O período bate com outros complexos semelhantes da Amazônia pré-colombiana, como os da região do Xingu.

Novas amostras para datação "estão sendo processadas e devem revelar dados a qualquer momento", disse à Folha Alceu Ranzi, que vê semelhanças e diferenças importantes entre a ocupação antiga do Acre e a do Xingu. Nos dois locais, há a presença, por exemplo, de grandes trincheiras circulares e de estradas largas unindo possíveis áreas de habitação.

No Acre, as áreas marcadas pelos geoglifos só apareceram porque houve desmate recente, o que significa que, no passado, a área ocupada por populações indígenas era muito maior -inferência que também é feita para o Xingu.

"Por outro lado, no Xingu ainda parece haver uma tradição que liga os cuicuros [tribo da região] às antigas vilas, enquanto os índios daqui não têm isso em sua memória histórica", diz Ranzi.

O pesquisador também ressalta que os povos xinguanos estão na fronteira entre a floresta amazônica e o cerrado. "Já aqui é mata fechada, "rainforest" [nome inglês para mata tropical densa] mesmo. Eu tendo a achar que, por razões climáticas, como grandes El Niños, o ambiente era aberto no Acre quando essa ocupação existia", afirma Ranzi.

Outra possibilidade é que a presença populacional fosse tão densa que ocorreu uma derrubada significativa da mata para construir os centros que correspondem aos geoglifos.

ÀS CENTENAS

Seja como for, Schaan, Ranzi e Pärssinen relatam um número considerável de possíveis sítios -mais de 200, por enquanto, o que corresponde a uma estimativa modesta, segundo eles, porque muita coisa ainda pode estar debaixo do dossel da mata ainda intacta. É uma área de uns 250 km de raio na bacia do rio Purus, que também avança do Acre rumo ao Estado do Amazonas. A população estimada para a região seria de 60 mil pessoas, propõem eles.

O diâmetro das áreas delimitadas pelas trincheiras vai de 90 m a 300 m. Parece haver uma tendência a encontrá-las em pequenas elevações, das quais pode se ver a planície de rios mais abaixo -em tese, uma excelente posição defensiva caso os geoglifos marquem mesmo áreas fortificadas.

Outra possibilidade é que o cuidado com a geometria dos locais reflita uma função ritual. E o grupo não descarta uma hipótese bem mais prosaica: para sustentar as populações densas, as trincheiras poderiam ser açudes, repletos de peixes e tartarugas semidomesticados.

(Reinaldo José Lopes)

(Jornal da Ciência 3926)

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